“Relaxe a mão”, disse a manicure, na condição de quem desconhece a improbabilidade de qualquer parte do meu corpo alcançar o repouso. Eu gostava de ter as unhas feitas, embora o processo de me disponibilizar imóvel por aproximadamente 40 minutos fosse levemente incômodo. Eu tentava não permitir que minha mente se distraísse a ponto de fazer com que eu não ouvisse a manicure bater em uma das minhas mãos e dizer, por exemplo: “A outra, por favor”. Ao mesmo tempo, tendo as mãos e os pés ocupados, eu não tinha a opção de me refugiar na leitura de um livro ou mesmo nos aplicativos do telefone móvel. Restava-me observar, atenta, ao processo de feitura das unhas, ou então me perder nos diálogos entre manicures e clientes que tivessem mais intimidade entre si.
Quanto a esse último aspecto, aquele parecia ser o meu dia de sorte. O estúdio de beleza estava cheio, de modo que todas as cadeiras estivessem ocupadas. Ao meu lado, sentava-se uma mulher, diante da qual se posicionava uma manicure que ela chamava pelo apelido. Deixei que minha curiosidade viesse à tona e passei a analisá-la. Vestia-se não como alguém que sempre tivesse acesso ao que havia de melhor, mas como quem certamente detinha certo privilégio financeiro. As unhas, que a manicure agora limpava com algodão e acetona, tinham a cor bege — o nude um tanto quanto clássico a mulheres que desejam se sentir mais elegantes.
“Era para ser bom, mas acabou sendo ruim, sabe?”, eu a ouvi dizer, assim que passei a prestar atenção a ela. Bingo. Eu havia encontrado uma maneira de fazer com que o tempo avançasse sem que eu sentisse cada um de seus segundos. Uma experiência que, quando idealizada, mostra sinais de que pode ser boa, mas que, em sua concretização, acaba surpreendendo em seus aspectos negativos, é certamente o tipo de experiência sobre a qual me importa ouvir. Disfarcei, olhando para a manicure que me segurava a mão, forçando um meio sorriso, a fim de que a transparência de minha curiosidade na conversa ao lado não tornasse o ambiente impróprio a confissões.
“Nós sempre tivemos muita conexão um com o outro”, ela prosseguiu depois de uma pausa significativa. “Eu nunca me apaixonei por ele, especificamente, mas pode-se dizer que sou apaixonada por aquilo com ele, entende?”, ela deixou escapar uma risada um pouco mais escandalosa do que o questionamento parecia exigir. Supus que talvez a confissão do relato a deixasse um pouco nervosa.
“Ao menos para uma mulher da minha idade, tem sido cada vez mais difícil encontrar um homem com quem se goste de estar. Um homem que não só está ali a fim de satisfazer a si mesmo, mas que também enxergue a companheira. Na verdade, o detalhe de que mais gosto nele é que, por vezes, ele parece despreocupado com o próprio prazer. O mais importante parece ser, ao menos durante aquele momento, que ele me perceba sentindo prazer. Isso é irresistível para mim”.
Eu não sei como responderia, caso fosse a manicure, para demonstrar a ânsia de que o relato ganhasse continuidade. A manicure, provavelmente menos obsessiva que eu, não disse nada, prosseguindo com seu alicate na retirada das cutículas velhas e indesejadas das unhas da mulher. Talvez a manicure soubesse de algo que eu, tendo de admitir minha inexperiência no que diz respeito a relações humanas, não entendesse: quase nunca se pode impedir alguém que deseja falar. Ainda que sem um reforço externo óbvio, a mulher seguiria com seu desabafo.
“Quando nos encontramos, eu senti que meu corpo todo reconhecia a presença dele. Meu corpo todo reagia a ele. Eu queria tocá-lo, sentir seu cheiro, respirar seu hálito. Quando ele passou as mãos pelos meus cabelos, posicionando-os atrás da orelha, os arrepios experimentados por mim me fizeram entender, de súbito, o porquê de estarmos vivos. Para que eu não me estenda muito, basta dizer que tudo saiu exatamente como eu imaginava. Quando estamos apaixonadas, e assustadas com esse sentimento, até esperamos que a pessoa faça algo de errado — um toque incorreto, bruto demais, ou então uma mordida que perca a medida exata e acabe por fazer nossos lábios sangrarem —, para que a gente se sinta talvez menos inebriada pela paixão, mas nada destoou, não houve qualquer desafino enquanto nossos corpos interagiam um com o outro. Tudo estava bem”.
A essa altura, eu já quase me contorcia na cadeira. Eu havia perdido meu próprio corpo, tão imersa eu me sentia na história, quase como se eu fosse um móvel prostrado no cômodo que servia de cenário para o desenvolvimento daquela cena. Agora, algo dentro de mim sabia, agora a manicure teria que dizer algo, teria que manifestar uma espécie de “e então...?” para que a mulher sentisse que havia ali uma testemunha para os seus sentimentos. Com alívio, percebi que meu instinto ganhara concretização no plano da realidade:
“O que aconteceu, então? Por que acabou mal?”, falou a manicure, que suspendia seus apetrechos no ar, enquanto ainda segurava a mão da nossa narradora. Olhava-a nos olhos, com uma demonstração viva de interesse — exatamente como eu havia imaginado necessário. Reacomodei-me na cadeira, expirando com um pouco mais de tranquilidade, uma vez que a manicure havia feito por nós o que era preciso para que a história chegasse a um desfecho.
“De repente, depois de terminarmos... ele se retraiu. Não me dirigiu o olhar. Manteve a cabeça baixa. Foi logo colocando a própria roupa de volta, quase como se fosse um desses homens que se recordam, sempre depois de se satisfazerem, que há uma esposa os esperando em casa. Não entendi por que ele nos afastou daquela maneira, por que fez com que eu me sentisse de repente errada ou suja...”, nossa narradora instituiu uma pausa, recobrando o ar. Era perceptível que as lembranças a incomodavam no tempo presente. “Perguntei a ele o que havia de errado, e depois de insistir, ele finalmente me disse. Contou-me que agora frequentava, havia alguns meses, a igreja, e que se sentia culpado sempre que acontecia de que ele escutasse o próprio desejo. Sempre que seu desejo se mostrava mais forte que os dogmas religiosos recém internalizados. Sempre que seu corpo ganhava a disputa com suas intenções espirituais. Mencionou, também, que se sentia observado por Deus, que o olhava com um semblante de reprovação. Enfim... depois de ele ter ido embora, continuei com esse gosto amargo no fundo da boca. É errado que nos entreguemos a uma mínima dose de prazer nesta vida? A vida deve ser suportada sem qualquer alívio, sem que sequer uma de nossas vontades possa ser alcançada? É pecado que desejemos um ao outro? O ideal da vida deve ser, portanto, o de que não nutramos aspiração nenhuma? Será para isso que Deus, considerando que ele acredite em sua existência, nos idealizou?”
Não foi possível que eu sequer ensaiasse, mentalmente, uma resposta para quaisquer de suas perguntas, porque no mesmo instante fui retirada de meu transe enquanto ouvinte, com a voz da minha própria manicure, que dizia: “Prontinho!”. Eu já havia pagado pelo serviço, de modo que não me restava desculpa nenhuma para prolongar o tempo já transcorrido no estúdio de beleza.
Enquanto, agora fora do estabelecimento, eu olhava para o interior da minha bolsa, buscando pela chave do carro, ocorreu-me que, se houvesse um modo de que o nome de Deus não incomodasse no contexto desenhado pelo relato da mulher, era, certamente, outro, bastante diferente e inclusive oposto ao que fora relatado por ela. Se acontece de se escutar, durante o ato, o nome de Deus, espera-se que seja ao menos em um tom que não desaprove a fisicalidade do desejo. Em verdade, espera-se que seja em um tom por meio do qual se faz impossível a sugestão de qualquer resquício de censura. É uma expressão em que, estranhamente, a palavra “Deus” surge quase como se esvaziada de sentido moral, tornando-se nada além da evidenciação de um contentamento não raro intangível, que advém da constatação de que o corpo está, milagrosa, porém apenas momentaneamente, preenchido. Deus se faz ver à medida que, por um instante, não nos falta nada.
Que texto maravilhoso! Não acredito que você não deu uma desculpa para ouvir até o final. Ela amaria saber da sua reflexão ( mas, foi sorte nossa da newsletter).