Dizem que os cachorros escolhem sempre um humano a quem enxergam como dono. Um, jamais dois. Desconheço o nível de fundamentação dessa ideia, mas, apesar disso, tomei-a como legítima. A meu ver, não existem dúvidas de que o Lobo escolheu o Matheus, meu marido, como seu humano predileto. Um cachorro não intenciona disfarçar suas decisões, fazendo-se desinteressado ou misterioso, de modo que a inclinação de Lobo se torna óbvia, inegável até. De minha parte, não há qualquer ressentimento. Já me propus ao exercício de imaginar os critérios de escolha pelos quais eu me deixaria influenciar, se na pele do Lobo eu estivesse, e também eu cheguei à conclusão de que, se cachorro fosse, optaria pelo Matheus como “meu humano oficial”.
Segundo o psicanalista Massimo Recalcati, quando somos amados, a nossa vida é escolhida, é eleita, é, por fim, esperada pelo outro. Nesse sentido, ele interpreta o fato de alguém nos esperar, de alguém sustentar uma expectativa em relação à nossa presença, como fundamental ao amor.
Os cães sabem disso, destaca Recalcati. Não há quem duvide de que o quanto um cão nos espera, ou seja, quão grande é sua expectativa em relação a estar na nossa presença, é uma figura representativa do amor que ele sente por nós.
No domingo retrasado, Matheus e eu fomos à chácara de alguns amigos. Matheus decidiu fazer um passeio de jet ski, enquanto eu, por minha vez, fiquei em terra firme, tentando entreter um Lobo que, inquieto, mantinha os olhos fixados no rio, não se deixando distrair por nada. Eventualmente, aconteceu o inevitável: Lobo saiu correndo em direção à água, onde, tendo avistado o Matheus, adentrou, sem garantia nenhuma de que sequer conseguiria nadar até o jet ski.
Naturalmente, Matheus se aproximou da margem, puxando Lobo para cima do jet ski. Uma vez ao seu lado, a expressão do cachorro era pacífica. Diante da cena, me peguei pensando em algo que talvez tenha escapado a Massimo Recalcati: não é apenas quando alguém nos espera que o amor se mostra, mas em especial, quando, já não suportando nos esperar, esse alguém sai à nossa procura.
Com vocês, fotos do dia em que o Lobo quase fez com que meu coração saísse pela boca.
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De onde é que eu tirei essa fala do Massimo Recalcati? Daqui, ó:
O trecho em específico a que eu me atentei foi este: “Questa è la dialettica e la dinamica dell’amore, che implica, dunque, la presenza del segno della mancanza dell’altro, e implica, dunque, l’insostituibilità e che implica, dunque, il fatto che la nostra vita, quando è amata, non è più per caso. Non è più superflua. Non è più insignificante. Attraverso l’amore, la nostra vita trova il suo senso, la nostra vita viene scelta, viene eletta, viene, come dire, attesa. Ecco un punto essenziale dell’amore: quando noi ci sentiamo amati, noi ci sentiamo attesi. L’attesa è una figura fondamentale dell’amore. Essere attesi da qualcuno. I cani, per esempio, sanno attendere. E si può pensare e interrogare quanto amore ci sia in un cane, mai in dubbio che l’attesa è una grande figura dell’amore”.