No ano passado, a minha avó materna faleceu no dia anterior ao do meu aniversário. Meus pais, que residem em uma cidade diferente da minha, planejavam me visitar — ideia cuja comunicação me chegou como uma surpresa, dado que eles raramente saem da região em que fixaram raízes —, mas, evidentemente que, em razão do velório e do enterro, cancelaram a viagem.
Fui eu quem fui até a minha cidadezinha natal. Diante da morte, é óbvio que ninguém se lembrou de me parabenizar pela vida. Abracei minha mãe, que, apesar de triste, parecia conformada. Ao término do enterro, os familiares já se permitiram algumas piadas, em ritmo de quem decide ser necessária a retomada do cotidiano e de suas diversões fugazes.
Pareceu-me egoísta, e de fato talvez o seja, que eu ainda pensasse no meu aniversário. Alguém faleceu, e eu ainda pensava no meu aniversário. Alguém próximo a mim havia falecido, e por que diabos eu ainda pensava na banalidade que era o meu aniversário.
Na verdade, não era o aniversário, em si, aquilo de que minha mente, obsessiva, não se distanciava. O espanto com que eu recebi a notícia de que seria agraciada com uma visita dos meus pais é que insistia em não me abandonar. Eles viriam, de fato, eles, que nunca vêm? Teriam mesmo vindo, não fosse o falecimento de minha avó? Teriam sugerido um restaurante, teriam pedido a mim a sugestão de um que eu já costumasse frequentar? Teriam me trazido um bolo? Sabem, eles, quais são os sabores que me agradam? Haveria uma lembrança embrulhada em um papel de presente, haveria um eu que de repente rasgaria, porque sempre ansiosa, o invólucro, descobrindo, então, qual teria sido o objeto misterioso que os teria feito pensar em mim?
Por vezes me chega o pensamento de que, não fosse a morte da minha avó, alguma outra coisa teria certamente impedido a visita de meus pais. Pode ser que meu pai acordasse gripado; minha mãe quiçá se perceberia dominada por uma crise de enxaqueca. Talvez o carro estivesse sem gasolina e o único posto em funcionamento da cidade estivesse, por um acaso qualquer, sem combustível disponível à venda. Vejo-me preenchida por hipóteses absurdas, mesmo impossíveis, porque no íntimo todas elas me parecem mais prováveis do que uma visita de meus pais que de fato se concretizasse.
Há ainda um outro pensamento horrível que, no entanto, me persegue e eventualmente me alcança: por que não simplesmente adiamos a comemoração do meu aniversário? É verdade, minha avó faleceu, em geral não há quem pense em comemorar o que quer que seja quando um ente querido deixa de habitar este plano. Seria possível, no entanto, que adiássemos a comemoração — não neste sábado, minha filha, mas no sábado seguinte, sim, naquele nós vamos. A visita poderia ter sido reagendada, em vez de necessariamente cancelada. Que se tenha cogitado tão imediatamente o cancelamento definitivo de um encontro nosso que teria por justificativa o fato de eu ter nascido representou um golpe depois do qual eu ainda não reuni forças para me levantar.
Eu provavelmente me contentaria se eles apenas mencionassem a ideia do adiamento. Filha, não nesta semana, e sim na semana que vem. Ainda que, na fatídica semana que vem, o assunto morresse e a visita não se tornasse realidade. O pensamento, a sugestão, que tal preocupação lhes viesse à mente: para mim, é possível que teria sido o suficiente.
Ao menos esse é um aprendizado que há muito me acompanha, e de maneira fiel; um conhecimento do qual orgulhosamente não me esqueço, com o qual posso contar a todo tempo, e que talvez me retire, em muitas das vezes, a possibilidade da alegria, mas que, certamente, me poupa também de algumas tristezas: há vezes em que a vida não nos dá tudo, e aceitamos, de bom grado, não ter em excesso, afinal, poucos o têm, por que haveríamos logo nós de tê-lo, mas, em outras das vezes, essa mesma vida não nos dá sequer o suficiente, sequer aquilo com que, em segredo, nos contentaríamos não sem certa amargura, enquanto fingiríamos nos sentir inteiros.
Há quem possa até mesmo dizer que, em certos aspectos, a vida não nos dá é mesmo nada, embora tal constatação soe exagerada e exponha não exatamente a nossa realidade, e sim o sentimento que, dentro de nós, a realidade com que deparamos nos desperta — diferenciação pouco ou nada útil, à qual, ainda assim, eu tento me aferrar.
Eu entendo o que você sente e a frustração que isso traz. A morte da nossa avó foi um momento difícil para todos, e é natural que algumas coisas tenham ficado em segundo plano. Mas quero lembrar que nossos pais, mesmo com suas limitações, amam você, mesmo que nem sempre demonstrem isso da forma que você espera.
A vida, como você mesma disse, nem sempre nos dá sequer o suficiente. Por isso, precisamos aprender a lidar com essas faltas. Não digo isso para diminuir o que você sente, mas para ajudar você a perceber que guardar mágoa ou ficar presa ao que poderia ter sido só traz mais sofrimento.
Às vezes, as circunstâncias externas acabam afetando até quem nos ama. Aceitar isso com maturidade não é fraqueza, mas força. Crescer significa entender que não podemos esperar que os outros nos deem tudo o que queremos, ou que isso venha do jeito que imaginamos.